Capítulo 14

Devia fazer uns dez minutos que Flávio estava parado na porta de casa, olhando o molho de chaves, como se fosse a primeira vez que o via.
Dedilhava cada uma das chaves, como se nenhuma delas abrisse a porta de casa.
Era duro estar de volta. Tanta coisa tinha acontecido...
Como encarar Letícia agora? E Sérgio?

Quando finalmente tomou coragem e entrou em casa, encontrou Letícia, um tanto quanto ríspida.

- Pensei que fosse ficar aí fora pra sempre. Perdeu a chave, por um acaso?

“Foi para isso que eu voltei? Será que vai tudo voltar a ser como antes?” – Flávio não parava de pensar.
Mas decidiu ignorar Letícia e entrou sem dizer uma palavra.
Claro que Letícia não se conteve e foi atrás dele em todos os cômodos da casa, falando sem parar, palavras que Flávio fez questão de não ouvir.
Tomou um banho, não jantou. Apenas foi se deitar.

- Flávio? Mas o quê...?
- Eu não sei, Marcela. Não planejei isso. Mas acho que de alguma forma estou ligado à você, e mesmo sem querer, mesmo sabendo que não é certo sentir por você o que eu sinto, o destino me remeteu à você. Não consigo controlar.
- Eu também não! E agora?
- Não sei. Eu preciso pensar.

Ficaram ali lado a lado, sem dizer uma palavra.
Apenas olhavam a fogueira, escutando os estalos do fogo, confortados pelo calor que dela emanava, pensando como que tudo aquilo era cômico e trágico ao mesmo tempo.

Sérgio estava impaciente. 
Andava feito barata tonta de um lado pro outro da sua sala, olhando o relógio a cada segundo.
“Mas por que ele não chega logo?”.
Parecia uma eternidade, até que Flávio entrou na sala.

- Você poderia ter me ligado assim que chegou ontem!

“Bom dia pro senhor também”, pensou Flávio, decepcionado com a recepção.
Ainda estava muito abalado por ter encontrado Marcela, mas também deprimido ao ver as condições da vila, e como aquelas pessoas viviam.
Mas engoliu a seco, contou até dez e respondeu:

- Desculpe, Senhor Sérgio. Estava muito cansado.
- Bem, e como foi lá? Aquela gente está mesmo doente, ou é mais uma lorota pra eles nos chantagearem, querendo mais e mais benefícios?

“Como ele poderia se referir àqueles pobres coitados, praticamente escravos, como “aquela gente”? Será que ele não tem sentimentos?”.
Flávio não queria, mas começou a olhar seu sogro com outros olhos.

- A situação é grave. Precisamos mandar analisar uma amostra do solo que eu trouxe de lá, para termos certeza.
- Como assim “mandar analisar”? Você não consegue os resultados por si só?
- Mas senhor, precisamos ter certeza do que é, se não, como poderemos trata-los?
- Você não entende? Como posso mandar analisar uma coisa dessas, sem levantar suspeitas? Você quer me afundar? Quer ver minha família exposta na mídia? Quer me ver na miséria?
- Não, claro que não, senhor Sérgio!

- Eu custeei todos os seus estudos pra quê, meu jovem? Dê um jeito e faça isso você mesmo, no mais absoluto sigilo. É uma ordem!

Era a primeira vez que o sogro lhe jogava na cara que havia custeado seus estudos.
A vontade que Flávio tinha era dizer que então ele deveria tê-lo obrigado a fazer outro curso, pois seus estudos não permitiam que ele fizesse tal análise.
Ele era um administrador de empresas, não um químico ou biólogo!

Mas ao invés disso ele abaixou a cabeça, e como se pedisse desculpas, disse que faria o que lhe foi pedido.

Não tinha cabeça para trabalhar naquela tarde.
Olhava para o computador, mas as palavras não faziam sentido. As paredes do escritório pareciam lhe sufocar.
Olhou pela janela, e a chuva torrencial que caía lhe deu vontade de sair pela rua e molhar-se como se voltasse a ser criança.
Talvez por alguns minutos ele se esqueceria daqueles pensamentos que tanto o atormentavam.
“Será que na verdade o Senhor Sérgio apostou suas fichas em mim já com segundas intenções?”.
Flávio não parava de pensar nessa hipótese.

Chegou em casa exausto, encharcado e sem as respostas para as perguntas que tanto o atormentavam.
Nem Letícia, nem os meninos estavam em casa. Ele estava sozinho.
Sentiu uma paz imensa tomar conta de si.

Foi tomar um banho de banheira. Quase nunca tinha essa oportunidade.
Lembrou de um amigo da faculdade, que talvez pudesse lhe ajudar com a análise das amostras do solo da mina sem precisar dar explicações.
Mas o que mais lhe incomodava mesmo era começar a perceber que talvez sua vida fosse uma grande farsa, e que ele estaria sendo usado desde o começo por pessoas vis, egoístas, que no fim usam e abusam dos outros sem ficar com a consciência pesada, simplesmente por não possuírem uma.
Olhando sob esse ponto de vista, as atitudes da Letícia não pareciam tão absurdas assim.
Seu caráter condizia exatamente com a criação que teve da sua família.
No fim eram todos “farinha do mesmo saco”.
E até sua mudança repentina de comportamento, após a tentativa de suicídio, parecia não ser natural, mas sim parte do plano do seu sogro.

Sentiu remorso por estar sendo arrastado para algo escuso, que prejudicava tanta gente, e promovia quem não merecia, e que ele era totalmente contra.
Sentia-se enganado, usado, sujo.
Pensou em Marcela, na vida sofrida que ela levava.
Depois que viu de perto seu pai, achou que era obrigação salvá-la daquele monstro.
Mas como faria isso?

Flávio queria se libertar. Mas sabia que não seria fácil.
Do mesmo jeito que Sérgio o “construiu”, poderia acabar com ele facilmente.
Não é fácil lutar contra pessoas poderosas, principalmente quando não se tem nada.
Tantas dúvidas, tantos planos... Mas uma coisa era certa: ele tinha que ver Marcela naquela noite.
Ele precisava ver aquele sorriso inocente, o rosto de menina meiga, e se perder nos olhos que viam o mundo de uma forma tão simples, e ao mesmo tempo tão sofrida, que o contagiava e inspirava com sua sabedoria e doçura.
Tentou evitar, mas não conseguiu deixar de pensar que esteve tão perto dela, mas não teve a oportunidade de tocar sua pele, saber como era, nem de sentir como seria seu abraço, seu beijo, mesmo que no rosto.
Até ali tudo o que viveram foi "apenas um sonho".
E agora, sabendo que este amor poderia ser vivido além dos sonhos, Flávio ficou dividido e abalado, pois sabia que não poderia ficar com Marcela enquanto fosse casado com Letícia e vivesse sob o domínio de sua família corrupta.

- Você não deveria ficar vindo aqui, Flávio. Não mais.
- Eu precisava te ver, Marcela!
- Mas você mesmo disse que era errado...
- Eu sei. Mas acho que é mais errado eu continuar vivendo uma mentira.
- Que mentira? Do que você está falando?

- Marcela, eu vou te buscar!

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